Segundo dados recentes, divulgados pela Fiocruz, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil, entre 2011 e 2022, enquanto entre a população geral o aumento foi de 3,7%. Sobre estes dados, o psicólogo clínico Fábio Luiz Vicente analisa o quanto questões como o padrão irreal de vida exposto em redes sociais, o bullying e a sexualidade podem impactar no risco de suicídio entre jovens. Em 2024, a campanha Setembro Amarelo, que anualmente aborda a prevenção ao suicídio, tem como tema ‘Se precisar, peça ajuda”. Sobre o estigma que envolve o assunto, o psicólogo analisa: “Conversar sobre o tema com adolescentes e adultos de forma franca, cuidadosa e sem julgamentos, pode contribuir para o bem-estar e estimular a todos a procurar ajuda especializada”.
Considerando as diferenças dos dados oficiais sobre a taxa de suicídio, divulgados pela Fiocruz, qual sua opinião?
Dr. Fábio: O número de suicídios em crianças e adolescentes tem crescido de forma assustadora. Atualmente, é a segunda causa de mortalidade entre jovens (10 a 24 anos) no mundo e a terceira no Brasil. Primeiramente, não podemos esquecer de que os fatores de risco para o suicídio são múltiplos e abrangem desde aspectos sociais, socioeconômicos e culturais até características psicológicas e biológicas. Penso que as rápidas mudanças que ocorrem no mundo nos últimos anos, tais como, o aumento das pressões sociais, falta de perspectiva de vida e uso abusivo de redes sociais – que enfatizam um padrão irreal de imagem, sucesso e felicidade – pode estar contribuindo para o agravamento da situação. De uma forma geral, podemos dizer que crianças e adolescentes que se encontram em violento sofrimento físico e emocional, sem suporte para lidar com as pressões, e os que vivenciam uma rotina de exclusão, que não se sentem conectados as outras pessoas e possuem maior tendência emocional e biológica a se colocar em riscos são os de maior probabilidade para comportamento suicida.
Ao que o senhor creditaria este aumento de notificações?
Dr. Fábio: Crianças e adolescentes, que são mais vulneráveis a desenvolver um comportamento suicida são expostos a várias situações que podem funcionar como um gatilho para a crise. Por exemplo, a geração que cresceu e se desenvolveu com a internet e redes sociais, tem menos contato social e comunica-se mais por redes sociais. Esses jovens são expostos a uma avalanche de informações que nem sempre são devidamente monitoradas.
Acredita que a fase de transição da sexualidade pode gerar riscos?
Dr. Fábio: A adolescência é uma fase de descobertas em relação à sexualidade, mas também, de insegurança. A forma como o jovem entende sua sexualidade está diretamente ligada à sua saúde mental. Uma nova fase na vida pode representar um risco de suicídio para jovens mais vulneráveis. Um dado alarmante é o fato de que o público LGBTQIA+ seja mais vulnerável ao suicídio. A violência, preconceito e convivência em ambientes hostis à sua sexualidade, bem como, o fato de terem seus direitos básicos negados, faz com que tenham até seis vezes mais chance de tirar sua própria vida.
Qual sua opinião sobre o estigma que cerca o assunto?
Dr. Fábio: Existem muitos mitos relacionados ao suicídio. Alguns são fortemente disseminados, como ‘Quem quer mesmo se matar, não avisa’, e ‘Falar sobre suicídio pode dar a ideia’. Na verdade, conforme os estudos sugerem, reconhecer e falar sobre o suicídio pode até reduzir o pensamento. Conversar sobre o tema com adolescentes e adultos de forma franca, cuidadosa e sem julgamentos, pode contribuir para o bem-estar e incentivá-los a procurar ajuda especializada.
Entre os transtornos mentais, existe algum que tenha maior relação com suicídio?
Dr. Fábio: A depressão é a doença mais associada ao suicídio, mas não é a única. O comportamento suicida pode vir em vários quadros clínicos, dentre os mais conhecidos: os transtornos bipolar, de personalidade, ansiosos (principalmente ansiedade social e transtorno de pânico) e alimentares, além da esquizofrenia e o abuso de substâncias, já que drogas podem funcionar como gatilho.
Fatores sociais influenciam os jovens a tentar o suicídio?
Dr. Fábio: Os fatores sociais e econômicos também têm um impacto importante no risco de suicídio. Adversidades econômicas e o desemprego prolongado podem aumentar o estresse psicológico e limitar que os familiares tenham acesso a recursos e apoio. Além disso, jovens expostos a eventos traumáticos, como o bullying, apresentam um risco maior de suicídio. Pesquisas recentes indicam que 1 em cada 5 jovens que relatam sofrer bullying pensam em suicídio após a agressão.
O que fazer quando o jovem manifesta a propensão ao suicídio?
Dr. Fábio: Nem sempre a criança ou o adolescente vai falar abertamente sobre o comportamento suicida. Precisamos estar atentos aos sinais que indicam que algo está errado, como queda do rendimento escolar com dificuldades e desinteresse pela escola, visão negativa da vida e do futuro, baixa autoestima, perda de interesse por atividades que eram prazerosas, alterações no sono e alimentação, ansiedade e tristeza constantes. A ideação suicida, que é o pensar ou planejar um suicídio, é algo muito grave e nunca deve ser desconsiderada. Manter a calma e adotar uma postura de compreensão e acolhimento pode fazer a diferença. Crie um ambiente de diálogo onde o jovem possa expressar sua dor e suas emoções. Tudo o que a criança ou adolescente não precisa é se sentir julgado ou ridicularizado por expor seus sentimentos.
E quando não há essa manifestação explícita?
Dr. Fábio: Quando alguém está em risco de suicídio tende a dar sinais, como demonstrar uma visão de mundo pessimista e, principalmente, sem perspectiva. Alguns podem começar a utilizar com frequência frases como “eu preferia não existir”, ou então, “queria estar morto”. Primeiramente, deve-se adotar uma postura de acolhimento, evitar julgamentos ou críticas. Não tenha medo de mostrar a quem você julga ter um comportamento suicida, que você percebeu seu sofrimento e está ao seu lado. Mostre que sentir tristeza é normal e todos passamos por momentos difíceis. De uma forma geral, nunca fique passivo e procure ajuda especializada o mais rápido possível. O psiquiatra e o psicólogo são os profissionais indicados para esse acolhimento.
Quem é Dr. Fábio Luiz Vicente
Psicólogo Clínico e Especialista em Neuropsicologia pela divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da USP/SP. Instrutor/Professor do Programa Cultivating Emotional Balance – Gestão Emocional nas Organizações – pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein.